Na madrugada de quinta-feira (24/06), na cidade de Surfside, costa de Miami Beach, Florida, ocorreu o colapso de um prédio do condomínio Champlain Tower South, Figura 1, às 1h30. O edifício foi construído em 1981, possuía 12 pavimentos e 136 apartamentos. Até o dia 07/07, já foram confirmados 46 mortes e 94 pessoas ainda estão desaparecidas (Gazeta Brazilian News, 2021).
O laudo final sobre as reais causas do desabamento ainda não foi determinado, podendo demorar meses ou até anos para a conclusão. Será tratado nesse artigo apenas analises baseadas em artigos e notícias divulgadas até o momento, assim como algumas especulações.
Primeiramente é necessário entender a localização geológica do lugar, Figura 2, Surfside é cercado pelo mar e, como toda região litorânea, possui alto risco de deterioração em função do alto nível de agressividade ambiental. Provavelmente possui um solo composto de argila marinha e areia, material que se expande na presença de umidade e contrai-se ao secar. Além disso é importante lembrar que o solo se comporta como uma grande esponja (Canal da engenharia, 2021b ). Miami Beach foi construída em cima de uma ilha-barreira, um pedaço de terra natural paralelo à costa. Algumas características das ilhas-barreira é que são terras frágeis e composta por solos arenosos e erosivos, sujeitas ao impacto das ondas do mar e aos efeitos naturais, podendo se mover, sofrer erosão, crescimento e encolhimento, segundo o Escritório Nacional de Administração Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA) (BBC News Mundo. 2021).
Até 1912, Miami Beach era dominada por manguezais, sendo uma cidade construída exclusivamente para o prazer e o luxo à beira mar, após sua “colonização” e drenagem, foram acrescentado mais terra à ilha e hoje sua área é de aproximadamente 19km². Sua parte oriental, que é mais alta, foi construída principalmente sobre calcário, preenchimento orgânico e areia; já sua parte ocidental é elevada pois foi preenchida após a destruição do mangue (BBC News Mundo. 2021). Esse pode ser um detalhe importante, já que em 1986, em Cajamar (São Paulo) apareceu uma dolina de 10m de diâmetro e 10m de profundidade, em função do solo da região, que também é calcário, havendo ainda sua amplificação com o decorrer dos meses. Os materiais carbonáticos em presença de água se dissolvem e formam essas grandes erosões (TEIXEIRA Wilson, et. al. 2000; G1 Globo, 2010).
Atrelado a esses fatores, o condomínio possui uma localização de frente para o mar, aumentando consideravelmente todas essas variantes, como mostra a Figura 3.
Como esses fatores já são conhecidos pela engenharia, a região possui altos parâmetros em relação a construção, desde a parte de concepção e cálculo até a execução. Os critérios se tornaram ainda mais exigentes após o Furacão Andrew, em 1992, se tornando uma das regiões com um dos parâmetros mais exigentes do mundo (Canal da engenharia, 2021b).
“Esse tipo de coisa não acontece nos Estados Unidos, isso era menos provável que um raio cair duas vezes no mesmo local”, se posicionou o Prefeito de Surfside (Canal da engenharia, 2021b).
Apesar da frase parecer arrogante, realmente é verdade. Além dos critérios para construção, a região conta com uma revisão obrigatória a cada 40 anos, sendo exigido uma revisão estrutural total e uma atualização de segurança para casos de emergência (Canal da engenharia, 2021b).
A região já era motivo de alguns estudos em 2016 e 2019 por algumas faculdades famosas, que já estudavam os impactos e custos das inundações costeiras em razão das mudanças climáticas. Pesquisas mostraram o aumento do nível do mar, o afundamento da superfície, e consequentemente o aumento da saturação do solo. O estudo concluiu que em algumas regiões do litoral o solo já sofria um afundamento de 2 a 3 mm por ano e apontou que em alguns casos, algumas residências unifamiliares, no período de 80 anos, chegaram a sofrer um afundamento de 20 cm. Acompanhando a mesma linha de raciocínio, o Champlain Tower, nos 40 anos desde a construção, pode ter afundado cerca de 8 cm (Wdowinski, et. al. 2019).
Assim como já foi dito, a engenharia já conhece esses fatores, e com o avanço da tecnologia muitos métodos foram criados a fim de lidar e amenizar esses impactos, mas como que, mesmo assim, o prédio acabou desabando, como mostrado na Figura 4?
Coincidentemente, o prédio completava 40 anos em 2021 e as revisões e atualizações não haviam acontecido, somente uma reforma no telhado, mas que não mostra relevância em relação ao colapso (Canal da engenharia, 2021b).
Contudo, um laudo feito em 2018 já apresentava grandes danos estruturais abaixo do deck da piscina e muitas rachaduras em colunas, vigas e paredes do estacionamento, porém nenhuma medida foi tomada. É importante citar que apesar do laudo mostrar vários problemas, não foi constatado nenhum risco de desabamento. Nas imagens do laudo citado, é possível observar claramente o descolamento do concreto e algumas armaduras expostas (Morabito Consultants, 2018). Na época foi estimado um valor para a reparação seguindo o laudo de Morabito, variando de US$80 mil a US$330 mil dólares por proprietário, dependendo da dimensão do apartamento, totalizando cerca de US$9 milhões (El Espectador, 2021).
É importante lembrar que o concreto também serve como uma forma de proteção física e química para os vergalhões, sendo muito prejudicial sua exposição, principalmente se estamos falando de pilares próximos a fundação… Outro fator relevante é que o aço reage com cloreto na água, ocorrendo sua “expansão”, favorecendo ainda mais o descolamento do concreto.
O estudo de 2018 também mostra que a impermeabilização sob o deck da piscina foi executada incorretamente em uma superfície plana ao invés de inclinada, impedindo que a água escoasse (Morabito Consultants, 2018). “A impermeabilização está causando um grande dano estrutural à laje estrutural de concreto abaixo dessas áreas”, indicou o relatório. É importante citar pois é a parte mais próxima do começo do colapso, como mostrado na Figura 5 (G1 Globo, 2021; Morabito Consultants, 2018).
Fazendo uma análise do vídeo do desabamento é possível tirar algumas possíveis especulações: Em uma visão aérea do edifício é possível perceber que ele tem o formato de 2 “L” encaixado como se fosse um tetris. Em função do formato, a parte da curva possui uma menor rigidez, favorecendo o colapso. Na Figura 6 é possível observar a região que colapsou; pela maneira do colapso é possível dizer que foi consequência de um recalque diferencial da fundação, já que todos os andares caíram simultaneamente e não ocorreu um efeito cascata. O recalque diferencial gera uma redistribuição de tensões que sobrecarregam a estrutura, sendo diferente de um afundamento por igual que afunda a edificação como um todo sem gerar redistribuição; após o colapso da parte central, já com a estrutura comprometida, a parte de frente ao mar acabou caindo e agora é possível notar o efeito cascata, onde a queda dos pavimentos superiores puxou os demais (Canal da engenharia, 2021b).
Para finalizar, a região do colapso coincidiu com uma época de fortes temporais, favorecendo ainda mais o solo encharcado e o descolamento do revestimento, Figura 7. Outra especulação é o possível uso de lajes protendidas, que apesar de ter uma maior resistência e aguentar grandes vãos, também torna a estrutura mais frágil (Geilma Vieira, 2021; Canal da Engenharia, 2021a).
Como já foi dito, o laudo final ainda não foi anunciado e tudo não passa de um aglomerado de informações do que pode ou não ter causado o colapso. De qualquer forma, o estudo da engenharia ainda pode ser aplicado e, como é possível perceber, o motivo é multidisciplinar. Para mais informações, a NIST (National Insiture of Stardards and Technolgy) estará à frente das investigações das reais causas do colapso. Muito material já foi coletado e provavelmente irão publicar notas e boletins no recorrer dos próximos dias.
Referências:
CARLOS SERRANO. Como Miami Beach foi construída em terreno pantanoso e instável. BBC News Mundo. S.L., p. 1-1. 30 set. 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57659003. Acesso em: 09 jul. 2021.
Como as mudanças climáticas poderão afetar as construções. 2021a. Disponível em: https://blog.canaldaengenharia.com.br/como-as-mudancas-climaticas-poderao-afetar-as-construcoes/. Acesso em: 07 jul. 2021.
EL ESPECTADOR (ed.). Cinco claves de la investigación sobre el colapso del edificio en Miami-Dade. El Espectador. S.L., p. 1-1. 01 jul. 2021. Disponível em: https://www.elespectador.com/mundo/america/cinco-claves-de-la-investigacion-sobre-el-colapso-del-edificio-en-miami-dade/. Acesso em: 09 jul. 2021.
FIASCHI, Simone; WDOWINSKI, Shimon. Local land subsidence in Miami Beach (FL) and Norfolk (VA) and its contribution to flooding hazard in coastal communities along the U.S. Atlantic coast, Ocean & Coastal Management. Elsevier. Miami, p. 1-9. 26 dez. 2019. Disponível em: https://faculty.fiu.edu/~swdowins/publications/Fiaschi-Wdowinski-OCM-2020.pdf. Acesso em: 05 jul. 2021.
G1 (org.). Prédio que desabou parcialmente em Miami tinha dano estrutural grave, aponta relatório. G1 Globo. S.L., p. 1-1. 26 jun. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/06/26/predio-que-desabou-parcialmente-em-miami-tinha-dano-estrutural-grave-apontou-relatorio.ghtml. Acesso em: 05 jul. 2021.
LUCIANA ROSSETTO (ed.). Buraco da Guatemala intriga geólogos brasileiros. G1 Globo. São Paulo, p. 1-1. 03 jun. 2010. Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/06/buraco-da-guatemala-intriga-geologos-brasileiros.html. Acesso em: 07 jul. 2021.
Mais 10 vítimas são encontradas em surfside; número de mortos sobe para 46. S.L., 07 jul. 2021. Disponível em: https://www.gazetanews.com/noticias/florida/2021/07/433615-mais-10-vitimas-sao-encontradas-em-surfside-numero-de-mortos-sobe-para-46.html. Acesso em: 07 jul. 2021.
MORABITO CONSULTANTS (Miami). 8777 Collins ave – Structural fields survey report. Miami: Morabito Consultants, 2018. 9 p. Disponível em: 8777-collins-ave—structural-field-survey-report.pdf (townofsurfsidefl.gov). Acesso em: 05 jul. 2021.
Queda de Edifício em Miami: o que pode ter provocado o colapso. 2021b. Disponível em: https://blog.canaldaengenharia.com.br/queda-de-edificio-em-miami-o-que-pode-ter-provocado-o-colapso/. Acesso em: 07 jul. 2021.
Queda de prédio em Miami/Desabamento de apartamentos em Miami. Realização de Geilma Vieira. S.L.: Autor, 2021. (29 min.), color. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H0iXqhZYtpA. Acesso em: 05 jul. 2021.
TEIXEIRA, Wilson; TOLEDO, Maria Cristina Motta de; FAIRCHILD, Thomas R.; TAIOLI, Fabio. Decifrando a Terra. São Paulo. 2000.
WDOWINSKI, Shimon; BRAY, Ronald; P.KIRTMAN, Ben; WU, Zhaohua. Increasing flooding hazard in coastal communities due to rising sea level: Case study of Miami Beach, Florida. Elsevier. S.L., p. 1-8. 01 abr. 2016. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0964569116300278. Acesso em: 05 jul. 2021.
Escrito por: Julio Akira Tanabe.
Arte de capa por: Guilherme Henrique Rodrigues da Silva.
19/08/2021 at 01:52
Artigo incrível, obrigado!
CurtirCurtir